segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Estoicismo - Teologia.

Por Émile Bréhier
Tradução de Miguel Duclós
Fonte: Portal  Veritas
O ritmo alternado do mundo é necessário para apreciar o alcance da teologia estóica, que tem sido designada como algo que detém a imanência e mesmo o panteísmo. Os escritores cristãos não deixaram de rir deste Deus presente nas partes mais íntimas do universo, e também da verdade de que o mundo é feito da substância de Deus e nele há de se reabsorver. Mas não se deve abusar de uma idéia justa; a verdade é que há no estoicismo gérmen de uma noção de transcendência divina, mas esta transcendência é de uma natureza totalmente diferente da do Deus de Platão ou de Aristóteles. Observamos, com efeito, que a transcendência de Deus, para Aristóteles ou os platônicos, não existe sem a afirmação da eternidade do mundo. Os platônicos nos repetem até a fartura que Deus não pode ser concebido sem a produção eterna do mundo, e que a existência atual do mundo é um dos aspectos ou condições da perfeição divina. De maneira muito diferente é tudo isto, segundo os estóicos: graças à conflagração, seu Zeus, Deus Supremo, tem a vida em certa medida independente do mundo; quando a “natureza deixar de existir, Deus repousará em si, entregue a seus próprios pensamentos” . Por outro lado, se Deus é imaginado como uma força interna das coisas, como um “fogo artista que procede metodicamente à produção das coisas”, ou como “um mel que flui através dos favos”, o estóico se dirige a ele, por outro lado, como a um ser providencial, pai dos homens, e que regula tudo no mundo em proveito do ser racional, ao “ser todo poderoso, chefe da natureza, que governa as coisas com a lei e a quem obedece todo esse mundo que gira ao redor da Terra, vendo aonde leva e deixando-se voluntariamente dominar por ele”. Os escritores cristãos tem assinalado esta espécie de conflito interno na noção de Deus dos estóicos: “Bem que dizem - objeta Orígenes que o ser providencial é da mesma substância que o ser que dirige, não dizem que é perfeito, diferente do que dirige”.

Se então o Deus de Aristóteles e dis platônicos é o deus transcendente de uma teologia sábia, o dos estóicos é objeto de uma piedade mais humana. Por acaso não admitiu, com o fim de aprová-las, todas as origens que a devoção popular dá a idéia dos deuses, a vista dos meteoros e a ordem do mundo, a consciência das forças úteis ou prejudiciais ao homem, e que nos ultrapassam, a nossas forças interiores que nos dirigem, como a paixão do amor ou o desejo de justiça, e, finalmente, os mitos dos poetas e a recordação dos heróis benfeitores? As provas da existência dos deuses que se apóiam na necessidade de admitir um arquiteto do mundo, de razão análoga, porém superior a dos homens, entram na mesma linha. Toda essa teologia popular implica em relações diretas e especiais entre Deus e os homens, ao passo que a teologia aristotélica ou platônica não concerce senão à relação geral de Deus com a ordem do mundo, sem referência particular aos homens. O mundo é, sobretudo, “a morada dos deuses e dos homens e das coisas feitas em vista dos deuses e dso homens”. Sobre este último ponto, se sabe até que ridículos extremos levaram os estóicos a afirmação de uma finalidade externa, atribuindo, por exemplo, às pulgas a função de nos despertar de um sono muito longo e aos ratos o feliz efeito de nos forçar à vigilar em boa ordem nossos assuntos.

Crisipo, sobre a crítica de um de seus adversários, foi obrigado a criar uma teodicéia, desde o início bastante débil, para explicar a presença do mal no universo. Dois argumentos mostram o mal indispensável à estrutura do universo: “nada é mais tolo do que crer - diz Crisispo - que poderia haver existido bem se ao mesmo tempo não tivesse havido males, já que o bem é o contrário do mal e não há contrário que não tenha seu contrário”. De acordo com um segundo argumento, Deus quer naturalmente o bem e nisto consiste seu principal desígnio; mas, para chegar a ele, se vê obrigado a empregar meios, que, tomados em si mesmo, são inconvenientes. A delicada espessura dos ossos do crânio, necessária ao organismo humano, não deixa de apresentar risco para a saúde. O mal é, então, acompanhamento necessário (parakolouthesis) do bem. Enfim, como disse Cleanto dirigindo-se a Zeus: “Nada acontece sem ti, exceto os atos que acompanham os malvados em sua loucura”. Neste terceiro argumento o mal moral ou vício se deve à liberdade do homem que se ergue contra a lei divina, ao passo que, no primeiro é devido à necessidade de um equílibrio harmônico: duas explicações contraditórias entre as quais os estóicos jamais foram capazes de escolher .

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