Por: Fr.Antônio Everaldo Palubiack Marinho
Fonte: http://www.itf.org.br/introducao-ao-estudo-da-biblia.html
Fonte: http://www.itf.org.br/introducao-ao-estudo-da-biblia.html
“Até que período da vida a pessoa deve estudar a Torá (Lei)? Até o dia da sua morte, como está escrito: “E para que ela não seja removida de seu coração em todos os dias de sua vida” (Dt 4,9). Quando se para de estudar se esquece[1]
No percurso de nossa vida, muitas vezes, só acordamos para a
necessidade da leitura e do estudo da Sagrada Escritura quando já
atingimos a idade adulta, mas, mesmo assim, não reservamos para Ela um
espaço suficiente para o aprofundamento assíduo e ordenado. Neste
sentido, é sempre bom lembrar a respeito da seriedade e a importância
que as palavras dos livros da Sagrada Escritura ocupavam e ocupam na
vida de nossos irmãos Judeus e, ao mesmo tempo, o cuidado com a leitura e
o aprendizado de seus filhos. Este cuidado aparece de um modo claro no
livro do Deuteronômio (6,20-25):
“Amanhã, quando o teu filho te perguntar: “que são estes
testemunhos e estatutos e normas que Iahweh nosso Deus vos
ordenou?”,dirás ao teu filho: “Nós éramos escravos do Faraó no Egito,
mas Iahweh nos fez sair do Egito com mão forte. Aos nossos olhos Iahweh
realizou sinais e prodígios grandes e terríveis contra o Egito, contra o
Faraó e toda a sua casa. Quanto a nós, porém, fez-nos sair de lá para
nos introduzir e nos dar a terra que, sob juramento, havia prometido aos
nossos pais. Iahweh ordenou-nos então cumprirmos todos estes estatutos,
temendo Iahweh nosso Deus, para que tudo nos corra bem, todos os dias;
para dar-nos a vida, como hoje se vê. Esta será a sua justiça: cuidarmos
de pôr em prática todos estes mandamentos diante de Iahweh nosso Deus,
conforme nos ordenou” (Dt 6,20-25).
Neste pequeno texto, observamos que a memória histórica e religiosa
de um povo é transmitida para os seus filhos, ajudando-os a atualizar o
passado, se situar no presente e a encontrar o caminho da vida.
Para elucidar a transmissão do saber aos filhos, citamos um trecho das Leis sobre o estudo da Torá:
“Quando um pai deve começar a instrução de seu filho na
Torá? Tão logo a criança começe a falar, o pai deve ensinar-lhe o texto:
“Moisés nos ordenou a lei” (Dt 33,4) e o primeiro verso da Shemá (6,4).
Mais tarde, segundo a capacidade da criança, o pai deve ensinar-lhes
versos de cada vez, até que ela atinja a idade de seis ou sete anos.
Então, dependendo da saúde da criança, ela deverá ser levada a um
professor de crianças”. “O ensinamento para as meninas é praticamente
igual a dos meninos”[2].
A intenção dos escritores bíblicos
No estudo da Sagrada Escritura, devemos ter bem presente que na
perspectiva dos escritores bíblicos, a ‘história’ se restringia a um
meio para uma finalidade mais importante, e nunca era um fim em si
mesma. Em sua concepção, a verdade de um acontecimento não residia no
fato de ele ocorrer, mas no significado de que se revestia.
Esperar que a Bíblia nos diga “o que de fato aconteceu” é esperar algo
que os seus escritores nunca pretenderam que ela fizesse[3].
Uma compreensão apropriada da leitura
A falta de esclarecimento, de um estudo mais aprofundado e sério,
muitas vezes, poderá levar-nos a uma leitura fundamentalista. Esta
leitura parte do princípio de que a Bíblia sendo Palavra de Deus
inspirada e isenta de erro, deva ser lida e interpretada literalmente em
todos os seus detalhes. Mas por interpretação literal ela
(leitura fundamentalista) entende uma compreensão primária literalista,
isto é, excluindo todo esforço de compreensão da Bíblia que leve em
conta seu crescimento histórico e seu desenvolvimento. Ela se opõe assim
à utilização do método histórico-crítico, como de qualquer outro método
científico, para interpretação da Escritura. … Também o fundamentalismo
convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele coloca
na vida uma falsa certeza, pois ele confunde inconscientemente as
limitações humanas da mensagem bíblica com a substância divina dessa
mensagem[4].
“A verdadeira resposta a uma leitura fundamentalista é a ‘leitura
crente da Sagrada Escritura, praticada desde a antiguidade na Tradição
da Igreja. [Tal leitura] procura a verdade salvífica para a vida do
indivíduo fiel e para a Igreja. Esta leitura reconhece o valor histórico
da tradição bíblica. Precisamente por este valor de testemunho
histórico é que ela quer descobrir o significado vivo das Sagradas
Escrituras destinadas também à vida do fiel de hoje’, sem ignorar,
portanto, a mediação humana do texto inspirado e os seus gêneros
literários” [5].
Por isso, também temos que ter a consciência de que Bíblia para se
formar levou mais de um milênio, e sua redação final aconteceu há dois
mil anos. Assim, os leitores/estudantes atuais são impelidos a voltar no
tempo para alcançar uma compreensão apropriada, a partir do
conhecimento do contexto vital, pois “não se trata de uma palavra sem
importância para nós: é nossa vida” (Dt 32,47).
A introdução à Bíblia
A Bíblia, na sua materialidade de livro palpável, que pode ser
tomado, aberto e lido, leva-nos, em algum momento ou em outro, a nos
interrogarmos sobre a forma pela qual foi elaborada nessa mesma
materialidade, ainda que seja forte em nosso espírito a convicção de que
ela foi “inspirada, de que é “obra divina” ou Palavra de Deus”. E aqui
se apresenta um caminho particularmente adequado para se fazer uma
introdução à Bíblia[6].
Do que trata a introdução à Bíblia? A introdução à Bíblia aborda
elementos fundamentais para a compreensão da constituição da Sagrada
Escritura. É uma etapa de preparação à introdução especial, isto é, o
estudo mais detalhado de cada livro bíblico. Introdução bíblica é,
portanto, dupla: introdução geral e introdução especial.
A Introdução geral estuda as questões que dizem respeito a
todos os livros que compõe a Bíblia. Neste aspecto elencamos os passos
que compreendem essa introdução:
- A Bíblia: noções gerais
- A Terra da Bíblia: Elementos de Geografia e arqueologia Bíblica
- História de Israel e a formação dos livros bíblicos do AT e NT
- História do Texto e das Versões
- A interpretação da Bíblia
- Línguas bíblicas
A Introdução especial estuda os aspectos particulares de cada
livro, ou seja, quem foi seu autor, em que circunstâncias (de tempo e
lugar, etc) foi ele escrito e principalmente qual o conteúdo da obra,
seus textos mais significativos e os dados característicos de sua
mensagem divina[7]. Elencamos aqui as disciplinas conforme a disposição didática que favorece uma visão de conjunto:
ATNT
I. Pentateuco I. Evangelhos Sinóticos
I. Pentateuco I. Evangelhos Sinóticos
II. Livros históricos II. Atos dos apóstolos
III. Livros proféticos III. Epístolas Paulinas
VI. Livros Sapiencias VI. Epístolas Católicas
V. Evangelho de São João
VI. Apocalipse
III. Livros proféticos III. Epístolas Paulinas
VI. Livros Sapiencias VI. Epístolas Católicas
V. Evangelho de São João
VI. Apocalipse
Uma palavra de ânimo para iniciar o seu estudo
Muitas vezes, não damos a devida importância à nossa memória
histórica e religiosa. Não conseguimos ultrapassar os limites que nos
cercam, e o desencanto e a falta de perspectiva tornam sempre mais
difícil antever uma outra realidade. Por isso, não podemos perder de
vista que o aprendizado no itinerário de nossa vida depende da razão, da
intuição, do esforço e da insistência. Na insistência, podemos
descobrir o nosso papel de garimpeiros, como “magistralmente é definido
num diálogo recolhido há meio século pelo professor Fernando de Azevedo
(1894-1974):
“…moço eu estou nesse negócio de catar pedras faz bem uns
cinquenta anos. Muita gente me dizia para largar disso – cadê coragem?
Cada um tem que viver procurando alguma coisa. Tem quem procure paz, tem
quem procure briga. Eu procuro pedras. Mas foi numa dessas noites da
minha velhice que entendi por que eu nunca larguei disso: só a gente que
garimpa pode tirar estrelas do chão!”[8]
Portanto, se no nosso garimpo – “o estudo bíblico” –
cultivarmos a paciência, o interesse, a persistência, a humildade e o
encanto, poderemos também encontrar um “tesouro escondido”, “uma pérola
de grande valor” (Mt 13,44-46).
[1]Cf. Maimôndes Rambam (1135-1204), Mishné Torá – O Livro da Sabedoria, Imago, Rio de Janeiro 2000, 185.
[2] Cf. Maimôndes Rabam, Mishné Torá – O Livro da Sabedoria, 184.206.
[3]Gabel J.B – Wheeler C.B., A Bíblia como Literatura –Uma Introdução, vol.10, Loyola, São Paulo 1993, 57.
[4]Cf. A Interpretação da Bíblia na Igreja, Pontíficia Comissão Bíblica, DP. 260, Vozes, Petrópolis 1994, 62.65.
[5] BENTO XVI, Exortação Apostólica Pós-Sinodal – Verbum Domini – Sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, Doc. 194, São Paulo, Paulinas, 20115, 87-88.
[6]Cf. Gibert P., Como a Bíblia foi escrita – Introdução ao Antigo e ao Novo Testamento, Paulinas, São Paulo 1999, 6.
[7]Ballarini T. (org.)., Introdução à Bíblia, vol.I, Vozes, Petrópolis, 1968, 23-24.
[8]Gentil P.; Alencar C., Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis: Vozes, 2003,